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Liberdade de expressão no Brasil: direito fundamental entre limites legais e responsabilidade social

Em uma sociedade cada vez mais marcada por polarizações e discussões acaloradas, a liberdade de expressão volta ao centro do debate, especialmente após a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Até onde vai o direito de se manifestar sem atingir a dignidade de terceiros? Quais os limites impostos pela lei e os impactos emocionais de discursos agressivos ou discriminatórios?

Alcio Pereira, mestre em Direito Constitucional e professor do curso de Direito da Estácio, explica que é preciso diferenciar liberdade de pensamento e liberdade de expressão. “A liberdade de pensamento é interna, ligada às convicções pessoais. Já a liberdade de expressão é a manifestação pública dessas ideias”, esclarece. Segundo ele, essa manifestação encontra limites quando invade a esfera de direitos alheios, podendo gerar responsabilização cível ou penal. A Constituição garante a livre manifestação, mas veda o anonimato, assegura o direito de resposta e prevê indenização em casos de dano moral ou à imagem.

Entre as situações que configuram abuso estão crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), divulgação de informações sigilosas, ameaças, assédio, discursos de ódio e incitação à violência, além de violações à vida privada. “A liberdade termina quando começa o direito do outro”, resume o jurista.

O psicólogo Pedro Dinelli Cruz, professor da Estácio, reforça que a forma como nos comunicamos tem reflexos diretos na saúde mental e nas relações sociais. “Expressar-se é essencial para a dignidade e o bem-estar. Mas não significa falar qualquer coisa a qualquer custo. Esse direito deve caminhar junto da ética e da responsabilidade coletiva”, pontua.

Redes sociais e novos desafios
Com a ascensão das plataformas digitais, os riscos se ampliaram. A velocidade e o alcance da internet potencializam tanto a visibilidade da fala quanto a propagação de abusos. Para Alcio Pereira, o Brasil ainda precisa modernizar sua legislação: “As plataformas devem investir em mecanismos que coíbam discursos de ódio e conteúdos ilícitos. A LGPD foi um avanço, mas é necessário mais rigor e agilidade na aplicação das normas”.

Tanto Alcio quanto Pedro são categóricos ao afirmar: discurso de ódio não é protegido pela liberdade de expressão. “Não é admissível usar esse direito para disseminar preconceito ou violência. O Código Penal prevê punições claras, como no caso da injúria racial, que pode levar à prisão”, reforça o professor de Direito.

Expressar-se é um direito humano
Para Pedro Dinelli, restringir a fala gera impactos severos. “Ambientes que não permitem a livre expressão favorecem o silêncio, o medo e a desmotivação. Isso corrói a autoestima e reduz a capacidade crítica das pessoas”, explica. A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece a liberdade de opinião e expressão como um direito fundamental. Na visão do psicólogo, garantir esse espaço de forma ética fortalece a saúde emocional e contribui para uma sociedade mais justa.

O debate deixa claro: a liberdade de expressão é indispensável, mas não absoluta. Exige equilíbrio entre o direito individual de manifestar ideias e a proteção da dignidade alheia.

A decisão do STF
No dia 26 de junho, o STF declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que condicionava a responsabilização das plataformas digitais à ordem judicial prévia. A nova regra determina que as empresas podem ser responsabilizadas a partir de notificação extrajudicial, quando se trata de conteúdos ilícitos, exceto em crimes contra a honra, que continuam a depender de decisão judicial.

As plataformas também ficam obrigadas a remover automaticamente replicações de conteúdos já considerados ofensivos pela Justiça e a oferecer canais acessíveis de denúncia. A medida, que vale apenas para casos futuros, busca equilibrar a proteção contra abusos digitais com a garantia da liberdade de expressão, embora especialistas apontem que ainda pode gerar novos desafios para a moderação de conteúdos online.