Resistência e história se misturam no Quilombo do Campinho

A equipe de reportagem visitou o maior dos seis mil quilombos do país, o Quilombo do Campinho em Paraty, um lugar que não apenas conta uma longa história de luta e resistência desde os tempos da escravidão, mas também preserva tradições e oferece a riqueza da culinária ancestral, tornando-se um dos destinos mais procurados na região.

A trajetória do Quilombo do Campinho remonta ao século XIX, quando Paraty desempenhava um papel crucial no transporte do ouro para Minas Gerais. Naquela época, o município vivia um período de prosperidade econômica, no qual três mulheres africanas – Vovó Antunísia, tia Marcelina e tia Maria Luísa – foram submetidas às “casas de engorda”, onde eram engordadas literalmente para aumentar seu valor no mercado.

Após sua libertação, essas mulheres iniciaram a construção da comunidade, que hoje abriga seis gerações de famílias. Utilizando a sabedoria ancestral, transformaram o local em um centro de resistência negra, mantendo viva a memória da contribuição dos negros para a formação do Brasil.

O “Sertão da Independência” teve início graças à plantação de alimentos como farinha e feijão, impulsionando a prosperidade naquela região. Com a decadência econômica de Paraty, os antigos donos deixaram as terras. Contudo, surgiram disputas quando supostos descendentes dos antigos proprietários reivindicaram a região, desencadeando uma batalha jurídica pela posse.

A presidente da Associação de Moradores do Quilombo do Campinho, Daniele Elias, pertencente à sexta geração das famílias locais, descreveu a árdua luta e a necessidade de vender as colheitas para custear os advogados. Apesar da vitória, desafios persistiram: a construção da estrada Rio-Santos na década de 70 dividiu a comunidade e ações de grilagem continuaram a perturbar a paz do povo quilombola.

Finalmente, em 1999, veio o reconhecimento: o Quilombo do Campinho obteve sua titularidade, garantindo a segurança jurídica tão almejada. Esse processo foi apoiado pelo estudo da antropóloga Neuza Simão, cujo trabalho universitário visava garantir os direitos territoriais do povo local. O livro “Terra de Peto, Terra de Mulheres” abordou o enfrentamento jurídico e o papel das mulheres em uma sociedade matriarcal.

Hoje, 70 famílias residem na região, que abriga escola, centros de estudo e um restaurante reconhecido internacionalmente. As mulheres que trabalham no restaurante mantêm vivas as receitas tradicionais de suas famílias, como a feijoada, preparada com os mesmos temperos de tempos passados. Essa culinária autêntica encanta visitantes do Brasil e do exterior, preservando a memória dos alimentos. Daniele Elias ressalta a importância desse trabalho para gerar renda e manter a cultura, contrastando com o turismo de massa focado apenas no lucro.