Sindicato dos Bancários e UFF-VRdivulgam parceria sobre acompanhamento do adoecimento mental na categoria
Iniciativa envolve universitários extensionistas do curso de Psicologia e visa à produção de conhecimento e dados estatísticos que viabilizem traçar ações de acolhimento aos já adoecidos e possam prevenir o surgimento de novos casos.
O Sindicato dos Bancários do Sul Fluminense e o campus da Universidade Federal Fluminense em Volta Redonda (UFF-VR), por meio da Extensão do Curso de Psicologia, publicizaram na noite desta quarta-feira, a parceria para o desenvolvimento de estudos da saúde mental dos bancários da região no contexto do ambiente de trabalho.
Com a iniciativa, a entidade sindical pretende desenvolver uma política de atenção à saúde de forma eficaz para os casos de adoecimento de origem psicossomática e, principalmente, traçar ações que evitem e previnam os avanços dessas doenças provocadas pela pressão dos bancos e o acúmulo de exigências, entre eles o cumprimento de metas cada vez mais insuportáveis.
No evento, que ocorreu no auditório da UFF-VR, o diretor presidente do Sindicato, Júlio Cunha, ressaltou que o número de associados à entidade gira em torno de 1.100 bancários e que, atualmente, de acordo com informações do cadastro do Sindicato, pelo menos 120 deles estão afastados pelo INSS devido às doenças psicológicas e psiquiatras. Mas esse número é muito maior.
– Hoje, as ações do Sindicato são baseadas em indicadores “oficiosos”. Nós queremos ter dados que nos permitam o mapeamento fidedigno do quantitativo de trabalhadores bancários doentes, afastados de suas funções pelo INSS, daqueles que continuam na ativa e usam medicamentos tarjas pretas e ainda daqueles que se encontram na fase de negação da doença. A produção desses dados vão referenciar as nossas ações, não somente da perspectiva do acolhimento, mas também da orientação trabalhista e do tratamento, que precisa ser mais humanizado. Na nossa concepção, esses trabalhadores precisam sentir que não estão sozinhos, ter espaços coletivos, tampouco se culpabilizarem pela situação que estão vivenciando. O Sindicato acredita que desta maneira será possível produzir ações mais contundentes de apoio e acompanhamento da categoria, visando inclusive, à prevenção ao suicídio, prática que tem aumentado expressivamente nos últimos anos entre os bancários. É absurdo a gente pensar em uma instituição bancária, que se consolida como uma indústria tão sofisticada do ponto de vista tecnológico, mas que deixa as pessoas nesse estado deplorável de saúde por conta do trabalho e suas imposições – destacou Júlio Cunha.
O diretor do departamento de Saúde do coletivo de trabalhadores, Miguel Pereira, afirmou que a reforma trabalhista, a reestruturação dos bancos públicos e as demissões em massa nos bancos privados agravaram a situação. “Mesmo com lucros nas alturas, a ameaça de demissão é constante que somadas ao cumprimento de metas e outras exigências são angustiantes na rotina dos bancários.
Situação agravada muitas vezes pelo assédio moral. Para se ter ideia da gravidade da situação, os afastamentos por conta dos transtornos psiquiátricos já superaram as doenças osteomusculares (LER/DORT) que por muitos anos foram campeãs de incidência entre a categoria.
A expectativa do coordenador do curso, Ricardo Pena, é que os dados consolidados pelos universitários extensionistas possibilitem mudanças estruturais na rotina bancária.
“Uma das funções da universidade pública é estar aberta ao público e produzir novos saberes. Especificamente, nesta proposta de cooperação com o Sindicato dos Bancários do Sul Fluminense, nosso intuito é contribuir com a consolidação de dados frente à nova ordem mundial para a criação de um mundo mais humanizado”.
A chefe do Departamento de Psicologia, Priscila Alves, explicou que os trabalhos serão produzidos com fundamentação em pesquisas, estudos teóricos e construções coerentes. “Para os nossos alunos, este trabalho será muito importante, já que vamos começar do zero, mostrar como se constrói esses saberes consistentes na busca pela saúde. Vale destacar que, muitas vezes essas doenças são invisíveis e acabam desqualificadas no mundo do trabalho”.
A pesquisa denominada “Atenção à saúde mental do trabalhador bancário do Sul Fluminense” será coordenada pelos professores Dra. Maria Elisa Siqueira Borges, que é ex-bancária, e o Dr. Fernando Faleiros de Oliveira, e tem o objetivo de produzir e consolidar dados e estatísticas sobre a situação da saúde mental desse grupo de trabalhadores; construir e efetivar ações que identifiquem prováveis causas e soluções e possibilitar que o trabalho não seja causa de sofrimento, adoecimentos e mortes; articular com outros atores e órgãos públicos, no sentido de construir relações de trabalho mais justas e saudáveis.
O inventário sobre o trabalho de risco e adoecimento (INTRA) avaliará o contexto da realização da atividade bancária (organização do trabalho; condições de trabalho; relações socioprofissionais); o custo humano do trabalho (físico, cognitivo e afetivo); os danos relacionados ao trabalho (físico, sociais e psicológicos); além dos indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (realização profissional; liberdade de expressão; falta de reconhecimento; falta de liberdade de expressão. físicos; danos psicológicos).
A intervenção será definida após a análise dos dados, mas algumas ações já foram elencadas, como plantão psicológico e grupos de escuta.
Indicadores sobre as doenças psicossomáticas
Por enquanto, são precárias as estatísticas reais sobre o número de bancários adoecidos e afastados de função em decorrência das doenças psicológicas e/ou psiquiátricas. Os indicadores, segundo Miguel Pereira, são baseados na suspensão dos descontos da mensalidade sindical.
“Os bancos não emitem CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) para esses adoecimentos, portanto a nossa referência em relação ao banco privado é a suspensão da mensalidade sindical. O mesmo não ocorre com os bancos públicos, pois eles continuam gerando a folha de pagamento e nem essa informação obtemos de pronto. E se o bancário não nos contata, não temos essa informação. Outro detalhe é que esses dados se referem apenas aos bancários sindicalizados. Isso não quer dizer que outros profissionais não estejam doentes. E como essas doenças são psicológicas e/ou psiquiátricas as pessoas vão até o seu limite. Ao suspeitarem do problema passam pela fase da negação. Não, eu tomo um remedinho aqui e vou dando conta, eu vou conseguir, eu vou superar. Até que chegam no ápice do limite, surtam ou têm uma crise grande dentro da própria agência ou caem e passam mal apresentando outros sintomas físicos”.
Com os resultados da pesquisa, será “jogada luz” sobre esse problema de saúde pública e o Sindicato buscará entes públicos como Ministério do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, o INSS, Justiça do Trabalho, os bancos e seus respectivos responsáveis pela área de Medicina do Trabalho visando buscar soluções.
RELATOS DA CATEGORIA
Presentes a solenidade de formalização da parceria entre o Sindicato dos Bancários e a UFF-VR, alguns trabalhadores relataram os problemas vividos. Suas identidades serão ocultadas visando evitar represálias e outras consequências.
Um bancário de 48 anos de idade e 27 de profissão, disse estar afastado do banco desde 2017. Ele foi diagnosticado com Síndrome de Burnout. Desde então se encontra em tratamento.
“Foi muito sofrimento até identificar a doença. Na noite anterior ao trabalho tinha crises de pânico só de pensar nas audioconferencias, nas cobranças pelas vendas dos produtos bancários, no telefone que até o terceiro toque obrigatoriamente tinha que ser atendido e as constantes ameaças de demissão. A gente veste a camisa do banco, mas quando a situação de saúde chega ao extremo a empresa te pune com a falta de um tratamento justo, digno e adequado. Por outro lado, o INSS coloca médicos sem especialidades em transtornos psicológicos/psiquiátricos na avaliação pericial. O resultado, na maioria das vezes, é a falta de reconhecimento da doença, que agrava ainda mais o quadro de saúde do trabalhador. Hoje, como consequência de todo o processo, faço uso diário de quatro medicamentos, três tarjas pretas e um tarja vermelha”.
Outra bancária, após 13 anos de profissão, relata passar por um momento de grande sofrimento. “Trabalho no banco desde os meus 18 anos de idade e apesar de estar no limite da minha saúde psicológica fui desclassificada para o benefício de afastamento do trabalho pelo INSS. Todo o suporte que preciso neste momento está vindo do Sindicato dos Bancários e isto tem sido fundamental para a minha vida”, concluiu.
PRÓXIMOS PASSOS
A primeira atividade relacionada ao projeto agora será a sua ampla divulgação à categoria pelos dirigentes do Sindicato.
Muito provavelmente como desdobramento, será realizada uma grande pesquisa junto aos bancários da Região Sul Fluminense para mensuração e identificação dos maiores problemas de origem psicossomática.
Por isso, o Sindicato ressalta a relevância e prioridade deste projeto junto ao Departamento de Psicologia da UFF e conclama a todos os bancários a se informarem, interagirem e participarem das diversas etapas dessa iniciativa que buscará o estabelecimento de espaços saudáveis de trabalho bancário.